Sempre ouvi dizer que paixão não tem idade, não escolhe raça, crença ou cor. E que gostos, cores e amores não se discute. Pois bem, quanto mais conheço as pessoas desse Rio Grande Passofundense, mais me certifico de que isto é verdade.
Tinha jogo no vermelhão da serra e, como dizia minha avó, quem quer comer pamonha tem que ralar o milho. Com base na teoria da minha avó, procurei chegar cedo ao vermelhão, queria colher informações sobre o Esporte Clube Passo Fundo, depoimentos sobre os jogos, os títulos, alguém que pudesse me dizer algo sobre os bons tempos no clube na serie A do gauchão, além do desempenho do clube na Copa Laci Ughini. O problema é que cheguei tão cedo que o estádio ainda estava fechado, dei uma volta, olhei ao meu redor e, vi um senhor e perto dele algumas crianças que brincavam. Resolvi puxar papo para ver no que dava. Comecei fazendo perguntas sobre o público que freqüentava os jogos. O senhor, então me disse que era muito fraco, poucas pessoas. Isso pude comprovar mais tarde, realmente um publico muito pequeno no estádio na noite agradável da quinta feira de primavera. Continuei fazendo perguntas ao senhor, sem dar muita atenção às crianças que estavam brincando bem ao nosso lado.
A conversa fluía num clima bem agradável. Enquanto ele me contava dos bons tempos do Esporte Clube Passo Fundo no campeonato gaúcho, uma das crianças que brincavam por ali se aproximou e ficou ouvindo nossa conversa, bem atenta a tudo que falávamos. Perguntei ao senhor falastrão se era gremista ou colorado, afinal estamos no Rio Grande do Sul, rivalidade azul-vermelho, GreNal, a boa e velha discussão, quem tem mais títulos, quem está melhor no campeonato e, para minha surpresa, aquele senhor que segundo ele mesmo, “nascido e criado” em Passo Fundo, era corintiano, a minha reação foi: “um minuto de silêncio”. Como assim, um gaúcho corintiano? Ele para me provar o que estava dizendo levantou a manga da camiseta, que só depois que ele me disse para qual time torcia é que reparei, era a camisa do Corinthians, me mostrou então no braço esquerdo uma enorme tatuagem com o símbolo do Timão, como disse ele. E como se não bastasse me mostrou o braço direito escrito em letras bem grande “CORINTHIANS”. Perguntei a ele por que Corinthians? Já que não queria fazer parte da metade vermelha, nem da metade azul do estado, por que não o próprio Passo Fundo, ou Juventude ou Caxias? Ele me respondeu: É um amor que não se explica.
A menina que se aproximara de nós, continuava ali, ouvindo tudo atentamente. Fiquei muito curiosa, por que um gaúcho iria torcer para um time paulista? É comum ver pessoas do norte e nordeste torcendo para times de outro estado. Mas gaúchos?! Sempre tão orgulhosos de suas façanhas futebolísticas e históricas, ou eu conheço pouquíssimos gaúchos ou aquele senhor é um caso a parte. Confesso que ainda não tinha visto um gaúcho corintiano.
A menina, acredito eu, já cansada de me ouvir perguntar ao passofundense corintiano o porque de sua escolha, um tanto quanto peculiar eu diria, para a região em que estamos. A pequena então me perguntou se eu ia ver o jogo, respondi que sim e perguntei a ela sua idade, ela me respondeu que tinha 14 e, com um ar de decepção disse que queria muito ver o jogo, mas sua mãe não deixava, porque não gostava de futebol e ela era muito nova para ir sozinha.
Perguntei a menina se ela gostava de futebol, e ela sem nem respirar entre uma palavra e outra afirmou com plena convicção que gostava somente do Passo Fundo, me deu relatos de jogos anteriores e o nome de todos os jogadores, titulares, reservas e até das categorias de base. A pequena disse ainda que acompanha até mesmo os treinos e queria muito ver o jogo porque gostava do Pitbull e do Sandro Sotilli. Bem confiante disse ainda que um dia verá o Passo Fundo ser campeão gaúcho. Neste momento éramos eu e o senhor corintiano que escutávamos a menina dar a escalação do time do Passo Fundo.
Ficamos os três em silêncio, confusos talvez, surpresos eu diria. O senhor corintiano me mostrou suas tatuagens para me fazer crer que ele é mais um dos tantos brasileiros que grita “sou louco por ti Corinthians”. A pequena me convenceu com suas palavras de menina que brinca de bonecas na calçada de casa no fim das tardes, o quanto ela gostava do Esporte Clube Passo Fundo. E o esporte Clube Passo Fundo, me fez ver, com um gol de Renam ainda no primeiro tempo numa bela cobrança de falta e, outro gol de pênalti cobrado pelo veterano Sandro Sotilli no segundo tempo, que para despertar paixões de qualquer idade não precisa ser grande, nem estar em evidencia.
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